“Minissérie ‘Se eu fechar os olhos agora’ reflete sobre hipocrisia da sociedade.

Com Débora Falabella e Mariana Ximenes, produção inspirada em livro de Edney Silvestre aborda machismo, racismo, fascismo, homofobia e feminicídio

por Zean Bravo – 06/02/2018 5:00 / Atualizado 16/02/2018 16:28

CATAS ALTAS (MG) — De volta à Globo após 25 anos dedicados à publicidade, Carlos Manga Jr., filho do lendário diretor Carlos Manga (1928-2015), buscou referências na solidão das pessoas retratadas nas pinturas de Edward Hopper (1882-1967) e nas fotos de Saul Leiter (1923–2013), assim como na paleta de cores quentes do fotógrafo William Eggleston, para apresentar os personagens de “Se eu fechar os olhos agora”.

Ambientada no início dos anos 1960, a minissérie de Ricardo Linhares, inspirada no livro homônimo de Edney Silvestre — atualmente em fase de gravações —, parte do suspense de um crime brutal para contar histórias de pessoas que não são exatamente o que aparentam ser.

— Todos os personagens são dúbios. Falamos de pessoas sufocadas, infelizes. Muitos deles vivem suas mentiras sem pudores. Busquei a solidão, a luz e as sombras do Hopper. Para mim, a pintura dele tem reticências, existe uma melancolia ali. Tudo isso gera uma atmosfera de suspeita. Aquelas pessoas dos quadros parecem ter histórias interrompidas, como as nossas aqui — explica Manga Jr. sobre as referências da série que ainda não tem data de estreia definida.

Para retratar um livro “trágico e denso”, em que as pessoas apresentam dificuldade em seus relacionamentos amorosos, familiares e sociais, o diretor optou por deixar as reais intenções dos personagens subentendidas na interpretação dos atores.

— Ao contrário das novelas, que são melodramáticas, esta minissérie é dramática. Aqui a gente busca explicar pouco, não entregamos tudo nas falas dos personagens. A história parte de um assassinato cruel, não há redenção — conta o realizador, depois de uma gravação noturna na cidade mineira de Catas Altas, que na trama fará as vezes da fictícia São Miguel, no interior do estado do Rio.

Para a minissérie, Manga Jr. buscou ainda a forma como os diretores Alan Parker, John Boorman, e Ken Loach retratam as relações entre seus personagens. Já os movimentos de câmera, que muitas vezes acompanharão o olhar dos personagens, foram inspirados nos filmes de David Fincher.

Com planos de rodar seu primeiro longa-metragem, projeto interrompido temporariamente para se dedicar a “Se eu fechar os olhos agora”, Manga Jr. estreou na Globo aos 24 anos como um dos diretores da novela “Vamp” (1991). Permaneceu na emissora por três anos e meio, antes de buscar outras experiências profissionais. Viveu entre São Paulo e Los Angeles, de 2006 e 2008, mas trabalhou em vários países. Já dirigiu nomes como os atores Leonardo DiCaprio e Ricardo Darín para a publicidade.

— Foi o que me permitiu viajar o mundo. Conheci muita gente e trabalhei, por exemplo, com diretores de fotografia como John Mathieson (do filme “Gladiador”/2000), e Christopher Doyle (de “Paranoid Park”/2007). Agora, quero apresentar novos projetos de séries e minisséries para a TV.

“NÃO É UMA FÁBULA”

Manga Jr. diz que o livro de Edney Silvestre espelha a hipocrisia da sociedade atual ao retratar temas espinhosos como machismo, racismo, fascismo, homofobia e feminicídio. — A história começa com duas crianças que acham o cadáver de uma mulher, que teve o seio cortado ao ser morta. Não é uma fábula encantada, é uma trama adulta, um thriller psicológico — aponta ele.

Na cena inicial, os meninos Paulo (João Gabriel D’Aleluia) e Eduardo (Xande Valois) encontram o corpo da jovem à margem de um lago. Após serem acusados pelo crime e provarem inocência, os dois resolvem investigar o mistério por conta própria, enquanto outros assassinatos acontecem na cidade. Ao longo da jornada, a dupla conta com a ajuda do obscuro Ubiratan (Antônio Fagundes).

O trio se depara com histórias de gente poderosa e influente, como o prefeito Adriano Marques Torres (Murilo Benício), a primeira-dama Isabel (Débora Falabella), o empresário Geraldo Bastos (Gabriel Braga Nunes) e sua mulher, Adalgisa (Mariana Ximenes), além do dentista e marido da vítima, Francisco (Renato Borghi).

— Interpreto uma mulher reprimida, que esconde seus desejos, e está no topo hierárquico daquela sociedade — conta Débora Falabella, ainda usando o figurino da década de 1960 logo após gravar uma cena da minissérie numa tarde de muito calor em Catas Altas. — Apesar de ser uma história de época, a trama é muito atual. Vivemos hoje um retrocesso grande e há pessoas que evocam uma falsa moral em seus discursos. Naquela época a hipocrisia não era tão assumida, hoje é sem pudor.

A mulher do prefeito é só uma das figuras femininas da história a viver de aparências. No papel da ex-miss que se mudou para o interior ao se casar com um homem rico, Mariana Ximenes diz que sua Adalgisa é dona de humor ácido, e passa o tempo fumando e bebendo Martini sozinha em casa.

— Ela é elegante, sagaz, mas tem buracos na alma, uma amargura danada. Fala que não quer ser apenas o troféu do marido, com quem vive de aparências. Vive aprisionada numa relação criada por ela mesma, em troca de uma certa posição social. E diz coisas como: “Queria ter mais um fígado no lugar do coração” — conta a atriz, entre risadas.

O escritor Ricardo Linhares teve que criar novos conflitos e desenvolver melhor os dilemas de alguns personagens, como a própria Adalgisa, ao transpor o livro para a TV. E, dessa forma, garantir o fôlego da ação durante os dez capítulos.

— Fui aumentando as cargas dramática e policial da história. E mudei o final do livro — avisa Linhares. Todos os personagens estarão, direta ou indiretamente, envolvidos com a morte da jovem no lago. Mais do que contar uma história policial, o autor diz que traçou uma crônica de costumes. Para ele, “Se eu fechar os olhos agora” pode ser vista ainda como um rito de passagem daqueles meninos para o mundo dos adultos.

— Os sentimentos dos personagens são importantes. Falo sobre a ânsia de liberdade da mulher na sociedade patriarcal, de conflitos religiosos, da ascensão do negro… — lista Linhares, deixando claro que o tempo passa, mas os conflitos da sociedade seguem circulando sobre os mesmos temas.

Zean Bravo viajou a convite da TV Globo

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