O génio inglês que traduziu os Lusíadas em 1880

A tradução, que conseguiu manter a métrica, as rimas e os versos em decassílabos da epopeia de Camões, já chegou às livrarias portuguesas

12 Fevereiro 2017 • Rita Bertrand

No nosso tempo veloz, empreitadas como a que Sir Richard Francis Burton cumpriu, ao traduzir Os Lusíadas para inglês, mantendo a métrica, as rimas e os versos em decassílabos, parecem impossíveis de tão demoradas.

Contudo, foi mesmo isso que o escritor, antropólogo, geógrafo, diplomata, orientalista e agente secreto britânico do século XIX fez, tornando-se autor da mais empolgante versão inglesa da epopeia sobre o povo português: mais do que uma tradução, The Lusiads é, na verdade, um longo poema, inteiramente novo, que narra as façanhas lusitanas, segundo a pena de Camões, mas com o lirismo pessoal de Burton.

Nem podia ser de outra forma: quem traduz poesia sabe que não basta mudar a língua aos versos: é preciso reinventar-lhes os sentidos, para que a mensagem sobreviva e ainda assim respeite a estrutura original – no caso, 1.102 estrofes de oito decassílabos, seis em verso cruzado, mais dois emparelhados.

Tarefa demasiado difícil? Não para Burton, que a abrir o seu prefácio, reproduzido no livro recém-lançado em Portugal pela editora Compasso dos Ventos, diz que este foi “”o mais prazeroso trabalho literário”” da sua vida de génio hiperactivo, que em adolescente fez parte de um gang e depois foi expulso da universidade apesar de ser aluno brilhante, por não se adaptar às regras, e que conheceu a fundo África e Ásia, arriscando-se até a ser preso quando entrou na Meca muçulmana disfarçado de afegão.

Para quê? Para contar o que via – em livros, mas também em relatórios de agente ao serviço da Rainha Vitória -, o que viria a dar-lhe o título de Sir, apesar da relutância dos mais puritanos, chocados com os seus escritos sobre sexualidade (incluindo a feminina e a homossexual) e as suas traduções do Kama Sutra e das Mil e Uma Noites.

Fascinante, mas com fama de ter mau feitio, Burton não foi o primeiro a traduzir a epopeia de Camões: o poeta escocês William Mickle já o tinha feito um século antes. Porém, nenhuma versão é tão assombrosa como esta que a Compasso dos Ventos edita e que põe lado a lado, ao longo dos dez cantos, a epopeia original, de 1572, e a versão inglesa, de 1880.

Quem é o tradutor?

Sir Richard Francis Burton falava 29 idiomas e vários dialectos, tinha um humor sarcástico e era incapaz de dominar os seus impulsos, o que lhe valeu inimigos nos quatro cantos do mundo – que conheceu bem: viajante incansável, fez expedições com o patrocínio da Real Sociedade de Geografia do Reino Unido, para investigar povos longínquos, seus usos, costumes e lugares.

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