‘Se eu fechar os olhos agora’: mistério e romance em bela embalagem
PATRÍCIA KOGUT 02/09/2018 – 07H00
O lançamento da minissérie “Se eu fechar os olhos agora”, na última quarta-feira, no Now, merecia muito mais do que a discrição fria e solene que o cercou. Afinal, a minissérie de Ricardo Linhares já chega na espuma de uma reputação prévia: trata-se da adaptação para a Globo do romance homônimo de Edney Silvestre, vencedor, entre outros prêmios, do Jabuti. Seu elenco foi escolhido no primeiro time. E o diretor artístico, Carlos Manga Jr., é um talento reconhecido que chegou à emissora para esse projeto. Dito isso, vamos à trama.
Como no livro, o enredo é puxado por dois meninos. Eduardo (Xande Valois) e Paulo (João Gabriel D’Aleluia) são pré-adolescentes numa cidade fictícia do interior fluminense em 1961. O astronauta soviético Yuri Gagarin acaba de anunciar que a Terra é azul, o noticiário vem pelo rádio, as mulheres são submissas aos maridos e o telefone ainda é o fixo e com um lugar de honra na sala dos mais abastados. Uma tarde, escapando de um castigo na escola, os garotos vão ao rio dar um mergulho. Lá, encontram o corpo mutilado de uma moça, a mulher do dentista, Francisco (Renato Borghi). Assutados, procuram a polícia, que, num primeiro momento, tenta culpá-los. O crime faz disparar a ação e expõe a hipocrisia do comportamento da época. Esposas impolutas não são tão santas, meninas “belas, recatadas e do lar”, idem, e por aí vai. Outros mistérios vão se somando à investigação inicial, e o suspense se agrava.
A ação se desenrola no passado, mas há um narrador no presente — a voz é de Milton Gonçalves —, Paulo mais velho, que relembra os acontecimentos. Esse recurso da dramaturgia colabora para a sensação permanente de estar embarcando numa memória. Essa chave ganha reforço com a realização. A reconstituição de época é minuciosa, e isso se reflete nos figurinos, na cenografia, na produção de arte, na trilha sonora e até no vocabulário dos personagens. As imagens são tratadas com filtros. Essa estetização tem dois efeitos: um, positivo, de reforçar um ambiente único. Ela legitima a história, que se justifica com os argumentos da moral de 1961. Porém, volta e meia, ela é alusiva à estética da publicidade — parece que estamos assistindo a uma propaganda que tem como tema a década de 1960 — e tudo esfria.
Finalmente, o elenco, no geral, é ótimo, inclusive as crianças, o que é um desafio constante na TV brasileira, que muitas vezes escorrega para o tatibitate na condução de atores mirins. Débora Falabella, Murilo Benício, Borghi, Antonio Fagundes, Antonio Grassi, Jonas Bloch, Mariana Ximenes, Gabriel Braga Nunes e Paulo Rocha fazem um lindo trabalho. A série merece a sua atenção.
JORNAL O GLOBO (BRASIL)